Se a vida após os 60 anos é também conhecida como a “Melhor Idade”, o termo significa, mais do que experiência, um recomeço para parte da população inserida nesta faixa etária. E, em Mogi Mirim, isso não foge à regra. Em uma sala na EMEB (Escola Municipal de Educação Básica) Francisco Piccolomini, no bairro da Santa Cruz, alunas mais do que especiais buscam, através da escrita, um novo sentido para a vida e o caminho para realizarem seus sonhos de infância.
Sob o comando da professora Dayane Cristina de Souza Brandão, um grupo de mulheres integra uma turma do EJA (Educação de Jovens e Adultos), programa voltado a jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação na escola convencional, desenvolvido em Mogi Mirim através da Secretaria de Educação.
Por três horas, de segunda a sexta-feira, passam por uma verdadeira bateria de conhecimento, mesclando disciplinas correspondentes à grade curricular do ensino fundamental 1. Dos detalhes, como voltar a manusear um lápis, caneta e borracha, ao olhar focado em cada fala ou escrita da professora na tradicional lousa, tudo é encarado de forma séria.
“Eu tento sempre trazer atividades e conteúdo pensando na rotina delas, para que tenha sentido no dia a dia. Busco motivar e mostrar que independente do tempo que passou estão aqui e dispostas a aprender”, explicou Dayane.
“Meu sonho é aprender a escrever um bilhete”, revela Maria Jandira
Maria Jandira da Silva, de 68 anos, não esconde sua frustração por não saber ler. Nascida em Santa Rita do Sapucaí, no Estado de Minas Gerais, aprendeu desde pequeno a superar os desafios da vida, trabalhando na área rural junto ao pai e irmãos. Na infância foram apenas dois anos de estudos, interrompidos pela vontade do próprio pai, que acreditava, naquela época, que a escola servia apenas como um lugar para “aprender a dançar”.
Ao chegar a Mogi Mirim, anos atrás, viu que a falta de estudo atingia um ponto em que não conseguia desempenhar tarefas básicas. Foi ai que resolveu agir.
“Atrapalha muito, às vezes preciso mas não consigo encontrar um telefone na lista, fico doida para ler folheto da igreja, mas não sei, então você fica refém (da falta dela leitura). Queria ser independente”, desabafou.
Essa independência passa não apenas pela vontade de ler e escrever, mas também de conseguir elaborar uma carta para o filho mais novo, que vive com ela até hoje.
“É comum meu filho sair de casa, mas ainda não cheguei, eu trabalho como acompanhante. Quero deixar um bilhete para ele para falar onde tem comida e como estão as coisas, mas não sei escrever. Tenho esperança que uma hora minha cabeça vai abrir e vou aprender a escrever”, disse, confiante.
“Um dia ainda vou tirar minha carteira de motorista”, vislumbra Vanira
Companheira de sala de Maria, Vanira Maria de Jesus, de 51 anos, assim como a colega, é nascida em Minas Gerais, na cidade de Salinas, e se viu obrigada a deixar os estudos de lado pela necessidade de trabalhar junto aos pais e irmãos, de olho em colaborar para a renda familiar. Entretanto, sua cabeça estava longe dali.
“Chorava para não ir trabalhar, e ter uma oportunidade de estudar, mas não consegui. Sofri a vida toda por isso”, lamentou.
Mão de cinco filhos, sempre mostrou apreço pela formação de todos, tarefa parcialmente cumprida em três deles, que completaram o ensino médio. Após viver por décadas em Minas e até no Estado do Paraná, desembarcou em Mogi há oito anos e colocou em mente o que precisava para voltar aos trilhos. Foi no Piccolomini que o sonho em conseguir a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) começou a se tornar realidade.
“Para mim é um recomeço, está sendo uma verdadeira benção. Aprendo a entender, ler, escrever e me sentir gente de verdade. Aprender é uma sensação única, me emocionou. Se Deus quiser vou tirar minha carteira de motorista”, comemorou.
Fotos: divulgação