Para eles nada é fácil. Quis o destino que a saúde, pilar de todo o ser humano, sofresse um duro golpe, na infância e até na vida adulta, fazendo com que a rotina se transformasse de maneira radical em um piscar de olhos. Se existiam todos os motivos para que o abatimento e a tristeza prevalecessem, o Esporte surgiu como um divisor de águas. Integrantes da equipe de esportistas do Sejel (Secretaria de Esportes, Juventude e Lazer), um grupo de atletas com diferentes tipos de deficiência superam adversidades, e por meio do atletismo, recomeçam a vida.
Carlos Bill de Oliveira, de 38 anos, José Roberto Gomes Jacinto, de 51 anos e Maurílio Vieira Teixeira, de 62 anos, foram responsáveis por conquistar oito medalhas nas 63ª edição dos Jogos Regionais, disputados em Americana entre os dias 2 e 13 de julho, colaborando para o 13º lugar de Mogi Mirim na competição, em meio a 43 cidades. O trio se junta a Clodoaldo César do Prado, de 43 anos, impossibilitado de comparecer aos jogos por problemas de documentação, mas outro esportista com deficiência que vê o Esporte como uma segunda chance.
É no campo do Complexo Esportivo José Geraldo Franco Ortiz, o Lavapés, que duas vezes por semana recebem os ensinamentos do ex-corredor e hoje professor de atletismo do Sejel, José Maria Heraldo da Silva, o precursor de todo o sucesso.
O “Bad Boy”
Mais forte da turma e de face séria, Carlos Bill de Oliveira, desmistifica a impressão de Bad Boy em poucos minutos de conversa. Atropelado por um veículo enquanto estava de bicicleta, em 2010, teve a parte motora do braço e da perna direita afetadas, fazendo com que encontrasse limitações nos movimento e dificuldade até para escrever.
Por meio de um colega, conheceu Heraldo, se familiarizou com o Esporte e não parou mais. Nascido em Vinhedo e residente em Mogi Mirim há 12 anos, compete no dardo, arremesso de peso e disco, faturando nos Jogos Regionais três medalhas, todas de ouro, em cada uma das modalidades.
O resultado é depositado nas costas, ou melhor, na cabeça branca de Heraldo, apelido carinhoso dado ao treinador. “Ele pega no pé, cobra bastante, mas isso que me faz tornar melhor, sou alguém melhor, graças ao Esporte, festejou.
Para Bill, cada competição é muito mais do que apenas figurar na ficha de modalidades. “Antes eu ia para participar, mas hoje encaro cada competição para ganhar medalha. Tudo que vou fazer eu crio na cabeça, visualizo antes, você precisa criar para acontecer. O segredo é manter o foco, ter uma meta e treinar para que isso aconteça”, revelou.
O sorridente
José Roberto Gomes Jacinto, de 51 anos, o mais velho da equipe, é detentor de mais de 100 medalhas. Nascido em Natal, guarda na cidade, além das lembranças familiares, o episódio em que, assim como Bill, foi atropelado por um carro, afetando nervos do braço e perna. Mas, nem o andar devagar e puxando a perna foram capazes de frear seus sonhos.
Há 39 anos em Mogi, corre desde o início da década de 80 e participa de competições junto a Heraldo não apenas de corrida, mas também no dardo e peso. A rotina dura de treinos dá resultado, aumenta sua coleção de medalhas e agrega para o esporte mogimiriano. Nos Regionais, trouxe na bagagem três medalhas de prata
“Só tenho a agradecer, se não é ele (Heraldo) puxar a orelha da gente, nos motivar, não conseguiríamos. O Esporte mudou minha vida e, se não fizesse, estaria em uma cadeira de rodas”, afirmou.
Uma vida dedicada à corrida
Maurílio Vieira Teixeira, de 62 anos, possui apenas 20% da visão, afetada por um problema no nervo ótico com apenas quatro meses de idade. Os percalços da vida não tiraram sua motivação, tampouco a paixão pelo Esporte, em especial a corrida, praticada com frequência desde a década de 80. Foi através da modalidade que viu sua autoestima crescer, se valorizar e conquistar o respeito das pessoas.
“O Esporte é minha vida, se não faço fico irritado. Foi por ele que melhorei minha conversa, interação e ganhei dignidade”, exaltou o vencedor de duas medalhas nos Regionais, ambas na corrida, uma prata nos 200 metros e um bronze nos 1.500 metros.
Da tentativa de suicídio ao Esporte
Companheiro de Maurílio na corrida, Clodoaldo César do Prado, de 43 anos, viveu situação ainda mais adversa. Aos 38 anos, viu a perca de visão bater a sua porta devido ao atrofiamento do nervo ótico. Acostumado com atividades esporádicas, como o futebol e aulas de jiu-jitsu, tem o Esporte como companheiro há dois anos, quando conheceu Heraldo.
“Quando perdi a visão vi que o atletismo era o ideal para mim, acabei gostando da ideia e estou até hoje”, conta, orgulhoso.
A perda da visão já na fase adulta o abalou, a ponto de tentar suicídio por duas ocasiões, municiado, sobretudo, pelo uso de álcool e drogas. Foi por meio da igreja e do Esporte que reencontrou o caminho.
“Hoje sou mais feliz cego do que quando enxergava, vivo uma vida saudável e só faço coisas boas. As pessoas que convivem comigo são mais sinceras. Mesmo com a deficiência, tenho capacidade para fazer coisas que jamais iria fazer quando enxergava”, ressaltou.
Para Heraldo, o treinamento e a conquista de resultados expressivos de seu quarteto no atletismo o fazem uma pessoa melhor. “Gosto muito de trabalhar com eles, não considero como atletas, mas sim como minha família. Eu cobro bastante, eles se dedicam bem. Tenho mais de 30 atletas convencionais, normais, mas com eles parece que é diferente. Nunca reclamaram de nada, se superam e são felizes. É bem gratificante,”, comemorou.
Fotos: divulgação